Pe. José Antônio Ramos
Paróquia Santa Cruz de Guarda dos Ferreiros/MG
A Solenidade de Corpus Christi foi instituída pela Igreja para ser o dia reservado para louvar a Jesus, presente na Hóstia Santa. É também um dia de testemunhar a fé cristã na presença real de Jesus na Eucaristia. Se tornou uma festa cristã muito reconhecida no mundo todo.
Esta celebração teve origem no séc. II. em Liége, na Bélgica. Duas figuras da Igreja foram muito importantes para a instituição desta solenidade: Santa Juliana de Cornillon (ou Juliana de Liége) e o papa Urbano IV.
Juliana nasceu em Liège em 1191, onde a diocese era considerada um verdadeiro ‘cenáculo eucarístico’. Haviam ali muitos teólogos que explicaram o valor supremo da Eucaristia; também surgiram muitos grupos femininos dedicados ao culto eucarístico e à comunhão fervorosa. Órfã aos 5 anos, Juliana foi educada pelas irmãs Agostinianas no convento-leprosário de Mont-cornillon. Ela se tornou uma freira com notório saber e, também, era muito contemplativa. Tinha um profundo sentido da presença de Cristo e meditava principalmente as palavras de Jesus: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Esta Santa teve uma visão aos 16 anos, enquanto fazia a adoração eucarística, a qual se repetiu várias vezes.
A visão apresentava a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que a atravessava diametralmente. O Senhor levou-a a compreender o significado daquilo que lhe tinha aparecido. A lua simbolizava a vida da Igreja na terra, a linha opaca representava, ao contrário, a ausência de uma festa litúrgica, para cuja instituição se pedia a Juliana que trabalhasse de maneira eficaz: ou seja, uma festa em que os fiéis pudessem adorar a Eucaristia para aumentar a fé, prosperar na prática das virtudes e reparar as ofensas ao Santíssimo Sacramento (Bento XVI. Audiência Geral, 17 de Novembro de 2010).
Ela guardou esse segredo em seu coração durante 20 anos e, depois, já como priora do Carmelo, confidenciou a duas irmãs e a um sacerdote, nos quais tinha grande estima. O sacerdote interpelou os teólogos da diocese, que levaram ao bispo o propósito de Juliana. O bispo, após hesitações, instituiu a solenidade de Corpus Christi na diocese de Liège, o que foi seguido por vários outros bispos. Depois disso, Juliana enfrentou fortes oposições, principalmente de membros do clero e, por isso, se retirou do mosteiro de Cornillon; foi morar como hóspede no mosteiro das religiosas Cistercienses, onde viveu por mais 10 anos, contemplando Jesus na Eucaristia; depois ela faleceu, sem conhecer a festa instituída em toda a Igreja.
A instituição da Solenidade de Corpus Christi para toda a Igreja tem forte relação com um Milagre Eucarístico acontecido em Bolsena com o sacerdote Pe. Pedro de Praga. Ele duvidava da presença real de Cristo na Eucaristia. Estava em peregrinação à Roma e parou numa cidade chamada Bolsena, que ficava no caminho. Este era um lugar bom para descansar da viagem, mas também era a cidade na qual havia uma forte devoção à Santa Cristina, uma vigem mártir, considerada a Santa dos infortúnios.
Cristina, após se converter ao cristianismo, foi perseguida pelo seu pai, que tinha um alto cargo de governo na cidade. O pai tentou mata-la de todas as formas, mas não conseguiu, por causa da proteção divina. Por fim, ele mandou amarra-la com uma pedra e joga-la no lago. O pai ficou na beira do lago para assistir a morte da filha. Porém, Santa Cristina não afundou e ainda ficou com os pés em cima da pedra, boiando sobre a água. O pai, ao ver essa cena, teve um mal súbito e morreu ali mesmo. O irmão de Cristina assumiu o lugar do pai e, finalmente, conseguiu mata-la. Cristina foi enterrada em uma catacumba, onde depois se construiu uma Igreja, na qual, ao lado do altar, está a pedra em que ela boiou no lago; na pedra se conserva os rastros de seus pés.
Como o padre Pedro passava por um momento de crise, ele foi celebrar a missa nessa Igreja e pedir a Santa Cristina a graça do fortalecimento na fé. Aconteceu que no momento da consagração, a hóstia começou a gotejar sangue a ponto de molhar o corporal e o altar. Nas manchas de sangue ele viu o rosto do próprio Jesus. Ele não conseguiu continuar a missa; colocou a Hóstia Santa no corporal e foi até à sacristia. Ao passar, respingou Sangue na pedra e na escada que ia para a sacristia. A pedra e os pisos com o Sangue estão expostos na Igreja de Santa Cristina em Bolsena.
Por essa ocasião o papa estava residindo na cidade de Orvieto, distante de Bolsena apenas 22 km. O padre Pedro comunicou ao bispo de Bolsena o acontecido e foi até ao papa confessar sua incredulidade e comunicar-lhe o fato. O papa era Urbano IV, que tinha sido o diretor espiritual de Santa Julina de Cornillon.
Quando começou a ter as visões Santa Juliana disse ao seu diretor espiritual, o padre Tiago Pantaleão de Troyes. Ele a incentivou a continuar com a devoção. Quando o papa Urbano IV ouviu o padre Pedro falando sobre o milagre, ele se lembrou do pedido de Jesus à Santa Juliana para instituir a festa de Corpus Christi. Enviou então uma equipe de teólogos à Bolsena para estudar o milagre; nesse grupo estava Santo Tomás de Aquino e São Boaventura, dois grandes teólogos da Igreja. Eles certificaram que o milagre era real e foram até Orvieto levando o milagre, seguidos pelo povo. Esta pode ser considerada então a primeira procissão de Corpus Christi. Por sua vez, o papa estava ansioso por adorar Jesus na Eucaristia e foi ao encontro deles, seguido de alguns sacerdotes e muitos fiéis. Ao encontra-los, o papa viu o milagre e disse: Corpus Christi. Tendo eles se encontrado próximo à Orvieto, seguiram em uma única procissão até à cidade. Aí foi construída uma Igreja para guardar o milagre, onde se encontra até hoje. A partir desse milagre, o papa instituiu a festa de Corpus Christi para toda a Igreja, no ano de 1264. O papa pediu então a Santo Tomás de Aquino que compusesse os hinos para a festa. É deste Santo o famoso ‘Laudato Sio’ (Tão Sublime). Na bula o papa escreve exaltando as experiências místicas de Santa Juliana:
Embora a Eucaristia seja celebrada solenemente todos os dias, na nossa opinião é justo que, pelo menos uma vez por ano, se lhe reserve mais honra e solene memória. Com efeito, as outras coisas que comemoramos, compreendemo-las com o espírito e com a mente, mas não por isso alcançamos a sua presença real. Ao contrário, nesta comemoração sacramental de Cristo, ainda que seja de outra forma, Jesus Cristo está presente no meio de nós na sua própria substância. Com efeito, quando estava prestes a subir ao Céu, Ele disse: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28, 20).
O milagre de Bolsena é apenas um dos muitos milagres eucarísticos. Os outros não serão citados aqui, pois este não é o objetivo deste texto. Entretanto, se alguém quiser ter conhecimento deles, uma simples pesquisa na internet o possibilitaria isso.
Entretanto, um desses milagres eucarísticos não pode faltar em qualquer texto sobre a Eucaristia, o qual será descrito brevemente: o milagre de Lanciano. Este aconteceu no século VII d.C. na pequena Igreja de S. Legonziano, pela dúvida que teve um monge da Ordem Basiliana sobre a verdadeira presença do Cristo na Eucaristia. Durante a celebração da Santa Missa, depois da Consagração, a hóstia transformou-se em Carne Viva e o vinho tornou-se Sangue Vivo, Aglutinado em cinco glóbulos irregulares e de diversas formas e tamanhos. Após várias inspeções efetuada pela Igreja a partir de 1574, um exame científico foi efetuado em 1970-71 e outra vez em 1981 por um renomado professor e cientista. A Carne e o Sangue são verdadeiros e de espécie humana do tipo AB. No sangue estão presentes todas as proteínas encontradas em sangue humano.
Considerando esta história tão bonita do início da solenidade de Corpus Christi e os tantos milagres que comprovam a presença real de Jesus na Eucaristia, não deveria haver uma dúvida sequer dessa presença. Mas por que há dúvidas, como aconteceu o padre Pedro de Praga? Talvez pela fata de compreensão de como acontece a transubstanciação e também pela falta de fé.
Não é fácil explicar em termos filosóficos como acontece a transubstanciação. Será feita aqui uma tentativa de esclarecimento, partindo do exemplo de um milagre que Jesus realizou: a transformação da água em vinho nas bodas de Caná. Nesse milagre havia a espécie, ou seja, a composição aparente da água. Cientificamente dizemos que é H2O: 1 molécula de hidrogênio e 2 moléculas de oxigênio. A substância é água, ou seja, aquilo que faz com que ela seja água e não leite ou café ou outros líquidos. Jesus mudou as espécies e a substância da água, transformando-a em vinho. Na Eucaristia, antes da consagração temos as espécies – pão e vinho – e a substância, que é o fato de o pão ser pão e não outro alimento como arroz, feijão, etc. e de o vinho ser vinho e não outro líquido como a água, o leite, etc.. Na consagração, permanece as espécies, ou seja, a aparência de pão e vinho, mas a substância muda para o Corpo e o Sangue de Jesus. Esta explicação racional precisa ser fortalecida pela fé, pois o mistério da existência de Deus e, ainda mais de sua presença na Eucaristia, ultrapassa o entendimento humano.
Referências
ARAUTOS, do Evangelho. Conheça a história de CORPUS CHRISTI. Caminhando com os Santos. Acesso em 15/06/2022. Disponível em https://youtu.be/blphUASU2pw
AQUINO, Felipe. A festa de Corpus Christi. Acesso em 15/06/2022. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=v_EeqVeJf4A&t=529s
BENTO XVI, Papa. Audiência Geral. Quarta-feira 17 de novembro de 2010. Acesso em 15/06/2022. Disponível em https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2010/documents/hf_ben-xvi_aud_20101117.htmlla
CANÇÃO NOVA, Formação. O Milagre Eucarístico de Lanciano – Itália. Acesso em 15/06/2022. Disponível em https://formacao.cancaonova.com/diversos/milagre-eucaristicode-lanciano-italia/