Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A Quaresma é o tempo litúrgico de conversão, que a Igreja marca para nos preparar para a grande festa da Páscoa. É tempo para nos arrepender de nossos pecados e de mudar algo de nós para sermos melhores e poder viver mais próximos de Cristo.
A Quaresma dura 40 dias: começa na Quarta-feira de Cinzas e termina na Quinta-feira Santa a tarde, pois à noite ou ao entardecer começa o tríduo pascal. Ao longo deste tempo, sobretudo na liturgia do domingo, fazemos um esforço para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros fiéis que devemos viver como filhos de Deus.
Trata-se de um tempo privilegiado de conversão, combate espiritual, jejum e escuta da Palavra de Deus. A característica fundamental e indispensável da Quaresma é a renúncia de alimentos e o jejum! O número de quarenta dias é importantíssimo, pois tem toda uma significação bíblica: a preparação para o encontro com Deus: os quarenta dias do Dilúvio, os quarenta dias de Moisés no Monte Sinai, os quarenta anos de Israel no deserto, os quarenta dias do caminho de Elias até o Sinai e, sobretudo, os quarenta dias do Senhor Jesus no deserto, preparando sua vida pública. É digno de nota que o mesmo Jesus que entrou na penitência dos quarenta dias aparece transfigurado com dois outros penitentes: Moisés e Elias! Por isso mesmo, o cuidado da Igreja de reservar exatos quarenta dias para a penitência! É tão antigo que tem suas raízes na própria prática da Igreja apostólica.
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa tempo de penitência. É para a reflexão, penitência, e conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério pascal. A espiritualidade da Quaresma, depois de tudo o que foi dito, aparece em seu caráter essencialmente cristocêntrico-
pascal-batismal. Este tempo litúrgico é caminho de fé-conversão para Cristo, que se faz servo obediente ao Pai até a morte de cruz. Na espiritualidade quaresmal, três pontos são ressaltados: 1 – Oração, 2 – Jejum e 3 – Esmola.
A oração – neste tempo favorável – os cristãos se dedicam mais à oração. Uma boa prática é rezar diariamente um salmo ou, para os mais generosos, rezar todo o saltério no decorrer dos quarenta dias. Pode-se, também, rezar a Via Sacra às sextas-feiras e a reza do Santo Rosário.
Jejum – na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor recomenda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: “Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás”. Dado que todos estamos entorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar “para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus”. O Onipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua proteção.
Cada um deve escolher uma pequena prática penitencial para este tempo. Por exemplo: renunciar a um lanche diariamente, ou a uma sobremesa, não comer carne às quartas e sextas-feiras, etc… Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa os cristãos jejuam: o jejum nos faz recordar que somos frágeis e que a vida que temos é um dom de Deus, que deve ser vivida em união com ele. Os mais generosos podem jejuar todas as sextas-feiras da Quaresma.
Esmola – a quaresma é tempo de mais um forte empenho de caridade para com os irmãos. A liturgia fala de “assiduidade na caridade operante”, de “uma vitória sobre o nosso egoísmo que nos torne disponíveis às
necessidades dos pobres” (parte do prefácio da quaresma I e III). A verdadeira ascese exigida pelos textos bíblicos e eucológicos da quaresma. Não há verdadeira conversão a Deus sem conversão ao amor fraterno (cf.1 Jo 4,20-21). A privação à qual o cristão é chamado durante a quaresma, inclusive através do jejum corporal, exige que seja sentida como exigência da fé para tornar-se operante na caridade para com os irmãos. O jejum não tem significado em si mesmo, mas deve ser um sinal de toda uma atitude de justiça e caridade (cf. Is 1,16-17;58,6-7).
Contudo, a Quaresma é um tempo propício para lutarmos contra os nossos defeitos mais arraigados. Podemos aproveitar esta época litúrgica para crescer em conhecimento próprio, fazendo um exame mais aprofundado da nossa vida para descobrir o que nos aproxima ou afasta de Deus. Depois, marcaremos metas palpáveis de melhora e nos esforçaremos por atingi-las. Se alguma vez falharmos, recorreremos com humildade e contrição ao sacramento da Penitência e recomeçaremos com alegria. Se fizermos a nossa parte, que é lutar sempre confiantes na ajuda de Deus, Ele não deixará de nos conceder as graças necessárias para uma verdadeira conversão. Queremos neste tempo da Quaresma rezar pelas seguintes intenções: pelo fim da pandemia, pelas famílias vítimas e aquelas que perderam tudo em Petrópolis e pelo paz no mundo.