Dom Edson José Oriolo dos Santos
Bispo Diocesano de Leopoldina/MG
Em dezembro de 2021, um especialista em tecnologia da informação enviou-me o documentário “Metaverso”. O conteúdo chamou a minha atenção e passei a refletir sobre a presença crescente do universo digital na vida das pessoas. Encaminhei o documentário para um bispo acompanhado do seguinte questionamento: “como será isso na vida da Igreja?”.
Na segunda quinzena de janeiro último, ouvi de um advogado: “dom Edson como a Igreja está vendo o envolvimento dos jovens na dinâmica do metaverso?”. Dias depois uma fisioterapeuta comentou: “as crianças passam horas e horas na experiência online do metaverso”. Tais provocações me fizeram concluir: não basta ignorar o virtual na pretensão de viver focado no real, numa vida off-line, contando vagalumes ou analisando a distância das estrelas. O virtual se impõe.
Como, então, crescer em graça, sabedoria e santidade diante de Deus na realidade virtual: o metaverso?
Metaverso é o futuro da internet, isto é, uma espécie de internet mais “encarnada”, que ambiente uma vida vivida no mundo virtual. O termo metaverso apareceu pela primeira vez no livro de ficção “Snow Crash” que em português significa “Samurai”, escrito por Neal Stephenson, em 1992. O autor fala de humanos representados por avatares (bonequinhos comandados por alguém) que interagem em ambiente virtual.
Para o criador do Facebook, metaverso é a possibilidade de pessoas se teletransportarem por meio de hologramas (imagens em três dimensões) indo onde precisam, no escritório, trabalho, loja, igrejas, clubes sem precisar se deslocarem. Para viverem nesse mundo necessitam de óculos, capacetes, fones de ouvidos conectados que ajudam nessa imersão. Esse universo digital tende a transformar nossas experiências online.
O metaverso é experimentar uma sensação forte, ainda que virtual, da presença das pessoas ao nosso lado. Cada um pode realizar todas as coisas em 3D (três dimensões). Penso ser uma aceleração digital. Os entusiastas do metaverso prometem avanços na ciência, na educação, na medicina e etc. Podemos imaginar diversos especialistas de diferentes países reunidos numa sala para uma cirurgia virtual, por exemplo. Muitas empresas estão apostando nessas tecnologias. Acredito ser um aspecto que sutilmente está predominando no presente e será a tecnologia virtual do futuro.
No entanto, o metaverso é vivenciar a vida, com seus interesses, necessidades, vontades, o agir, o cotidiano e as relações na dinâmica do digital. Tudo o que fazemos na vida real poderemos fazer no metaverso, graças aos equipamentos de última geração. Nesse espaço participaríamos de shows, viagens, eventos, reuniões, conferências, cursos, reuniões de trabalhos, conselhos, assembleias, debates etc…
Quase sem darmos conta ficamos condicionados à realidade virtual, aumentando cada vez mais nossos compromissos e atividades online. De acordo com pesquisas realizadas, nos últimos anos passamos mais tempo nas redes sociais e nos tornamos muito mais dependentes delas. Já somos nativos digitais. Já não nos preocupamos em focar na vida off-line, sequer percebemos que a todo momento estamos online e a vida adquire essa dinâmica. Nos Estados Unidos, os templos religiosos já vivenciam o metaverso para celebrações de cultos, missas, cultos e até batizados.
Nos últimos dois anos, a pandemia criou um grande comprometimento com o universo virtual. As nossas celebrações foram realizadas pelas redes sociais (youtube, facebook, instagram) e também aprendemos a nos reunir pelo zoom e plataformas similares (orientação espiritual, reza do terço em família e comunidades, momentos de oração, adoração ao Santíssimo Sacramento, aconselhamento espiritual, catequese de batismo, crisma, primeira eucaristia, para noivos, formações e reuniões com o clero, inúmeras reciclagens das forças vivas paroquiais e comunidades eclesiais missionárias, etc…). Nós realizamos isso praticamente sem notar o impacto para o compromisso de fé.
Mesmo sabendo da riqueza da inteligência artificial e dos pretensos benefícios advindos da evolução do metaverso é importante, enquanto Igreja, refletirmos o impacto dessa ferramenta na evangelização. Embora possamos, e devamos, utilizar essa ferramenta para a evangelização virtual, ela jamais suplantará a realidade comunitária, celebrativa e, principalmente, sacramental da Igreja (casa comum).
No melhor espírito do Concílio de Trento, os sacramentos serão sempre realidades reais (sinais visíveis/sensíveis da graça invisível). Os sacramentos necessitam da presença física das pessoas. Sem a presença corpórea os sacramentos não acontecem. O mistério pascal é a expressão mais viva do amor de Deus por nós. O núcleo de nossa fé. A razão de ser de nossa Igreja. A chave teológica da compreensão de nossa fé, isto é, a celebração do mistério pascal, não se adequa à realidade virtual.
A título de conclusão, recordamos as palavras do Papa Francisco: “a familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, sem Pão, sem Igreja, sem povo, sem sacramentos, é perigosa. Pode-se tornar uma familiaridade – digamos – gnóstica, uma familiaridade só para mim, desligada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor foi sempre comunitária, sempre à mesa, um sinal da comunidade. Sempre com o Sacramento, com o Pão” (Homilia na Casa Santa Marta, 17.04.2020).