Observo que a maior parte dos jornais televisivos tem sido dedicada às questões políticas. Nos jornais impressos e revistas semanais a política ocupa, proporcionalmente, maior espaço que os outros assuntos. Nas redes sociais a política lá está. E nas conversas entre amigos e no trabalho, aqui e acolá emergem abordagens políticas. Por esses exemplos é perceptível o quanto a vida é atravessada pela política. No entanto, há católicos que parecem preferir não misturar fé e política. Isso é possível? É recomendável? É coerente com o estatuto da fé e mesmo da política?
É certo que o objeto da fé não é a política. A fé tem a ver antes de tudo com a adesão da mente e do coração ao mistério de Deus e ao seu culto. A pessoa acolhe a revelação e deixa-se moldar pelos ensinamentos divinos. Vincula-se à comunidade dos crentes e à assembleia litúrgica. Inspira valores para a vida pessoal, familiar e social. Mas, em termos cristãos, a fé remete o fiel ao mundo, lugar de seu testemunho e de sua vivência. E, logo, o cristão depara-se com a política, entendida no seu sentido mais original, qual seja, ao âmbito das relações sociais no espaço da polis ou cidade.
Há, entre outros, um desdobramento certeiro da fé: a política. Em outras palavras, a pessoa que crê no Deus de Jesus Cristo é a mesma que tem obrigações como cidadã, desde obedecer às leis, pagar os impostos, eleger representantes, delegar poderes. E é, também, a mesma que haverá de usufruir dos serviços públicos de saúde, educação, transporte, segurança e outros. O ser humano não pode escapar da sua responsabilidade política. Na verdade, ela é uma dimensão da vida humana e da própria fé. E o católico, membro da Igreja, há de se inspirar nos ensinos de Jesus Cristo para trazer a luz do Evangelho ao mundo da política. Isso vale para todos os fiéis que não deixarão de colocar a pergunta: como Jesus agiria nessa situação política?
Há, ainda, cristãos leigos e leigas que encontram sua vocação na política partidária. É um campo de atuação que clama por pessoas preparadas eticamente, ou seja, coerentes com a busca da justiça, da verdade, da honestidade, da defesa da dignidade da vida, da superação das desigualdades sociais, da construção da paz. Também estes, marcados pela fé, não podem deixar de se perguntar: como Jesus agiria nessa situação? Tal pergunta feita, sobretudo, na esfera da consciência, não fere a laicidade do Estado. Antes, potencializa o debate e descortina horizontes.
A Igreja compreende a razão de sua missão na relação com a política e a importância que seus membros atuem visando a adequada organização do Estado, a fim de que todos os cidadãos tenham seus direitos básicos respeitados. Com a consciência evangélica de sua missão, a Igreja opera na história com a visão do ser humano em consonância com a verdade que ela professa. Inspirada no Evangelho, no mistério da Encarnação, a Igreja postula e defende o humanismo integral solidário, baliza fundamental para toda ação política. Oxalá cresçam em nossas comunidades os grupos de fé e política e os católicos contribuam de modo qualificado para recuperar a genuinidade da política que é servir à busca do bem comum.
Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros
Fonte: Portal da Arquidiocese de Monte Claros/MG
Foto: Imagem: site caminhanteeapreniz.com.br